Quase 30% dos adolescentes brasileiros fazem uso problemático de videogame, aponta estudo da USP

O uso excessivo de jogos é caracterizado quando começa a causar desequilíbrios e impactar na vida do jovem. Não querer mais sair de casa para jogar é um dos sinais.

Por Fernanda Bassete, da Agência Einstein

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP) aponta que quase 30% dos adolescentes brasileiros fazem uso problemático de jogos eletrônicos e se encaixam nos critérios do Transtorno de Jogo pela Internet (TJI) – um distúrbio que acarreta prejuízos emocionais e sociais. Os resultados acendem um alerta para o prejuízo do uso excessivo de eletrônicos, especialmente por crianças e adolescentes.

O estudo foi realizado pela psicóloga Luiza Chagas Brandão, doutora em psicologia clínica e especialista no atendimento crianças e adolescentes. A ideia de pesquisar o impacto do videogame nesse público partiu da observação de Luiza ao perceber um aumento no número de pais buscando apoio psicológica para seus filhos.

“Percebi que entre os vários motivos para buscar ajuda, a queixa sobre o fenômeno videogame sempre aparecia de alguma maneira”, contou a especialista.

Para fazer o trabalho, Luiza usou como base os dados do #Tamojunto 2.0, um programa do Ministério da Saúde voltado para a prevenção do uso de drogas e álcool por adolescentes estudantes de escolas públicas.

Segundo a pesquisadora, o programa foi adaptado do modelo europeu de prevenção ao uso de drogas ao contexto brasileiro e foi testado por meio de um ensaio controlado realizado em 2019 (pré-pandemia) em três cidades. Ao todo, a amostra do programa ultrapassou 5.000 alunos entre 12 e 14 anos, dos quais quase 4.000 responderam à pergunta sobre videogame.

Os estudantes responderam a um questionário com 60 perguntas que investigavam questões como consumo de drogas, bullying, uso de jogos eletrônicos e questões socioemocionais. A última pergunta – que era relacionada aos games – foi adaptada da descrição do transtorno descrito no DSM (o manual de diagnósticos de transtornos mentais, a “bíblia” da psiquiatria) e incluía nove questões para responder “sim” ou “não”.

O adolescente que respondesse “sim” a pelo menos cinco delas se enquadraram naqueles que foram considerados de uso problemático: ao todo, 28,1% dos jovens que afirmaram jogar videogame se encaixaram no critério. Luiza ainda fez mais um desdobramento nas questões, perguntando se o adolescente já jogou para esquecer ou aliviar problemas da vida real. Ao todo, 57% dos adolescentes disseram que sim.

De acordo com Luiza, o uso excessivo de jogos é caracterizado quando começa a causar desequilíbrios e impactar na vida do jovem, como quando ele não quer mais sair de casa para jogar, começa a ir mal na escola, passa a ter distúrbios do sono, irritabilidade, sintomas emocionais, entre outros.

“Os resultados me surpreenderam muito. Ter quase 3 em cada 10 adolescentes brasileiros fazendo uso problemático do videogame é preocupante. Não quero rotular um adolescente de 12 anos como dependente, mas esse resultado mostra que precisamos nos preocupar com isso porque esse uso não está legal”, afirmou Luiza, que destacou que uma revisão de estudos sobre jogos eletrônicos na América Latina apontou o Brasil como o país mais problemático.

Jogar para fugir de problemas

A psicóloga ressaltou também que os jovens que fazem uso problemático do videogame estão em sofrimento de saúde mental para além dos jogos.

“57% da amostra joga para esquecer problemas. Isso por si só, independente de preencher os critérios para se enquadrar no transtorno, já está relacionado com desfechos mais negativos, como uso de tabaco, bullying, sintomas emocionais, problemas na escola, problemas de relacionamento com os pais, entre outros”, alerta a psicóloga.

Para Laura Delciello de Souza, psicopedagoga da área materno infantil do serviço de Psicologia do Hospital Israelita Albert Einstein, esses resultados são preocupantes e podem afetar o desenvolvimento do adolescente, que não vai saber lidar com as frustrações.

“A partir do momento que este jovem deixa de viver a vida real para emergir no mundo paralelo dos jogos, ele deixa de lidar com as possibilidades e com as frustrações. Ele passa a fugir dos problemas em vez de enfrentá-los. Isso pode funcionar a curto prazo, mas, neste contexto, o jovem passa a vivenciar uma fantasia, criando uma falsa sensação de controle e de segurança”, avalia.

Duas hipóteses de Luiza para tentar explicar o fenômeno do uso abusivo de videogames é a violência (que impacta os encontros presenciais) e a falta de opções de lazer e de esportes para que os jovens se ocupem.

“Faz parte do desenvolvimento dos adolescentes estar com os amigos, diminuir a relação hierárquica e passar a ter relação com pares. Com o aumento da violência, os pais acham que o adolescente está mais seguro dentro de casa. E como não tem opções de lazer, o videogame acaba cumprindo esse papel de conectar os jovens. Antigamente íamos para a lanchonete. Hoje jogamos videogame online”, ressaltou a pesquisadora.

O tratamento do uso problemático de jogos vai depender de cada caso, mas em geral envolve terapia cognitivo comportamental. “Ainda é muito incipiente o que existe de tratamento para o transtorno. De maneira geral, prevenir é melhor do que remediar. Os pais precisam entender que o videogame é uma área de lazer que precisa ter limites para que o uso não ganhe proporções problemáticas lá na frente”, finalizou Luiza.

Fonte: Agência Einstein

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